Toda a gente sabe que as histórias infantis, pela sua índole moralizante e conteúdo narrativo, radicam numa profunda bipolaridade entre o bem e o mal. Por isso as ouvíamos e ficávamos a pensar durante horas na rainha má e na rainha boa, na princesa inocente, no terrível sultão e no lobo mau, ao mesmo tempo que suspirávamos de alívio quando começávamos a perceber que tais personagens, na verdade, eram projeções de um mundo distante, onde felizmente não vivíamos.
Acontece que crescemos. Tornamo-nos os detentores desse mundo inventado e passamos a transmiti-lo com benevolência aos nossos filhos – depois de já não termos dúvidas de que entre o bem e o mal há sempre uma paleta de cores e depois de sabermos que um e outros são meros indicadores que norteiam o comportamento humano, razão pela qual tudo que fazemos se situa algures pelo meio, razão pela qual existe o bom senso, pressupondo a existência de um mau senso. Sabemos que o maniqueísmo apenas serve as ideologias totalitaristas mas para as crianças, felizmente, o mundo ainda não é assim tão complexo.
Ora, o mais espantoso é que certas personagens dos contos infantis tenham saído da tela, para viver em plena realidade a assustar adultos! Deve ter sido mais ou menos isso o que pensaram os milhões que pelo mundo inteiro viram em direto o debate entre Hillary Clinton e Donald Trump. Vejamos. A ela não faltaram os movimentos de corça perseguida pelo segundo, o predador, e a este não faltaram as expressões mais duras e ameaçadoras do génio da lâmpada, que veio ao mundo para conceder três desejos ao povo americano – a erradicação do tráfico, da emigração e da prostituição – com um outro poder oculto na manga de prestidigitador, o de 007, com licença para despedir, expulsar, matar, talvez até fazer a maior limpeza racial desde Hitler.
Ficamos aterrorizados. Quando um povo apoia um génio assim, é sinal de que esse povo o merece. A Bíblia e os cataclismos naturais mostram-nos que a destruição e a morte não são mais do que formas de reciclagem. Talvez Donald Trump seja, afinal, um homem eivado das melhores intenções ecológicas.
O certo é que a princesa não é uma rainha má e perversa, com iguais poderes, nem uma mulher rija, temperada no sofrimento da povo americano. O que pode uma pobre dama americana, «hûa fraca dama delicada», habituada a ruminar em silêncio as mentiras próprias e as do marido, preocupada em mostrar o que não é, contra o furor de uma fera enraivecida apostada em moralizar o país de todas as virtudes democráticas? Nós, adultos, desculpem-me, ficamos preocupados.
Afinal, os contos de fadas existem e os novos protagonistas são os políticos? Como podemos agora explicar às crianças o contrário?
Ana Isabel Falé
Imagens da internet cuja autoria não conheço.
Dizes bem! Isto seria uma comédia ridícula, se não estivéssemos a falar de um dos candidatos ao poder de um dos maiores países do mundo…
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Grave mesmo é o reflexo que essa história de (des)encantar tem na realidade dos outros reinos do lado de cá do Atlântico, nos reinos do oriente e arredores. .. nova contenda se iniciará, sem encanto de nenhuma espécie. ..
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